quarta-feira, novembro 23, 2005

A Grande Teia

O Estado nos Açores é monstruoso. E o pior ainda é que continua a crescer retirando “oxigénio” à sociedade civil.
O Estado na Região Autónoma dos Açores é composto pelos departamentos do governo regional, pelos serviços da república, pelas 19 autarquias, pelas empresas públicas tradicionais, e agora pelas empresas públicas instrumentais, e pelas empresas municipais, que ultrapassam já a dúzia.
Podemos afirmar que cerca de 50% do PIB regional é despesa pública. Estima-se que quase um quarto da população activa trabalha para o Estado.
Só a máquina administrativa do governo regional vai consumir em 2006 cerca de 548 milhões de euros, ou seja, um gasto diário de 1,5 milhões (300.000 c). Cada dia que passa os contribuintes açorianos têm de pagar este valor para a manutenção desta pesada administração regional.
E este Estado não pára de engordar. Por cada milhão que consegue alienar de participações em empresas regionais, como a EDA, a Verdegolf, ou agora a FTM, investe logo a seguir milhões em empresas instrumentais, intervindo mais ainda na economia regional. A última foi a Atlânticoline, uma empresa criada para mandar construir 4 barcos de transporte de passageiros no valor de 50 milhões, e depois concessionar a privados, em mais uma ingerência numa actividade tipicamente da iniciativa privada. Assim o Estado passa a ser também armador.
Este Estado abafa e ofusca a iniciativa privada. E por isso cria uma dependência preocupante nos agentes económicos. E o resultado é a ausência de diálogo, de debate e de participação da sociedade civil, caracterizada por ser apática e subserviente. Por menos já se chamaram alguns regimes de ditaduras.
Nada é feito sem o vulgar apoio financeiro do Estado ou no mínimo a sua anuência. O orçamento regional para 2006 chega aos 1.108 milhões, que representa um gasto per capita de quase 4.600 €. Com todo este dinheiro o governo regional “manda” na economia dos Açores e “manda” nas pessoas.
E por isso os direitos de cidadania nos Açores são débil e medrosamente exercidos.
A presença dum Estado desta dimensão e desta intervenção na economia tem a tendência para eternizar quem está no poder. Mota Amaral podia ter continuado no poder até querer, depois de 6 mandatos. César pode continuar no poder também até assim entender. Porque uma enorme teia foi criada e está em pleno funcionamento, os circuitos estão oleados, as pessoas da administração regional conhecidas, e não interessa mudar para começar tudo de novo.
Um Estado desta dimensão torna-se, por consequência, arrogante e autista. E ai daquele cidadão que não concordar com as opiniões oficiais. Pode ir parar para o limbo rapidamente.
Tudo vive e sobrevive do subsídio. Tudo é “comprado” pelo subsídio. Acima de tudo o silêncio da sociedade civil é comprado pelo subsídio. São poucos os cidadãos que conseguem libertar-se desta enorme e pegajosa teia.
E por ser assim este Estado dá-se ao luxo de desperdiçar fundos públicos para obras de fachada, de regime, que nada trazem de riqueza e desenvolvimento. Alimentam sim elites sempre alerta e ávidas dos milhões.
Por isso, apesar destes avultados fundos que entram nesta pequena economia insular, continua os Açores com um PIB per capita de 56% da média da União Europeia e de 83% da média nacional. Uma das regiões mais pobres de Portugal e da Europa. E com indicadores socio-económicos preocupantes, que evidenciam ainda graves carências ao nível da alimentação, das condições de habitação, do sistema de educação e do sistema de saúde, características próprias de países do terceiro mundo.

segunda-feira, novembro 14, 2005

As Portas do Mar ou Megalomania?

As Portas do Mar não são necessariamente as portas do progresso, apenas porque alguns governantes assim o dizem, e os vídeos, sítios e outdoors publicitam.
O empreendimento Portas do Mar, cujos detalhes finalmente começam a vir à luz do dia, é uma obra excessiva e desnecessária. É uma obra monstruosa, que agrupa vários e distintos equipamentos num espaço exíguo e a conquistar ao mar, perfeitamente desenquadrada, e que custará 50 milhões, para além de ficar dependurada (mais uma!) no orçamento regional. Não é de nada prioritária, tem um custo de oportunidade elevado e não passa uma coerente e isenta análise de custo-benefício. Os efeitos positivos que eventualmente este empreendimento poderia ter são desprezíveis face ao seu elevado custo financeiro, ambiental e social.
Indubitavelmente que as Portas do Mar tem efeitos nefastos e agressivos no ambiente, devido essencialmente à sua enorme volumetria, qual jamanta de betão colocada na boca do porto de Ponta Delgada. São demasiados equipamentos para aquele exíguo local: um terminal de cruzeiros e ferry e respectiva gare marítima, uma zona comercial de apoio à actividade turística de 5.300 m2, um pavilhão de exposições e espectáculos de 4.000 m2, uma zona de lazer e balnear envolvente das piscinas de S. Pedro, um parque de estacionamento e uma marina de recreio náutico.
Tem ainda efeitos nefastos na qualidade de vida de Ponta Delgada tornando-se assim num polo de concentração de trânsito numa zona sem as adequadas acessibilidades para o efeito.
Os arquitectos e os urbanistas Açorianos não podem estar de acordo com esta obra, cujo projecto é de um arquitecto de fora (mais um!). Este projecto é contra as melhores práticas do planeamento urbano.
Os comerciantes tradicionais do centro histórico de Ponta Delgada não perceberam ainda que esta obra vai ter uma superfície comercial de 5.300 m2, que vai provocar uma concorrência muito forte e impedir que os passageiros se desloquem ao centro para as suas compras, em mais uma enorme machadada no comércio citadino. Os empresários de restauração não perceberam ainda que vai ser construído um restaurante de 3 pisos e que vai concorrer directa e deslealmente com os seus estabelecimentos.
Os hoteleiros da marginal não perceberam ainda que vão sofrer as passa do algarve durante o período de construção deste monstro de betão, que pode durar 3 anos. E não perceberam ainda que toda aquela zona da marginal vai ficar atafulhada de trânsito, prejudicando directamente os seus hóspedes, que vêm aos Açores em busca da “Natureza Viva” e apanham doses maciças de betão como esta, e caos na circulação e estacionamento do trânsito. Equipamentos como as Portas do Mar há por este mundo fora, nas grandes metrópoles e nos principais destinos turísticos. Os turistas que chegam aos Açores esperam ver algo diferente e singular.
Os autarcas de P. Delgada não perceberam ainda que não há parques subterrâneos que resistam ao volume de trânsito que vai convergir para a marginal e que o ambiente e a qualidade de vida da cidade vai deteriorar-se.
Os trabalhadores que diariamente se deslocam para a cidade não perceberam ainda das dificuldades acrescidas que vão ter em circularem e estacionarem numa cidade pequena e já tão afectada pelo trânsito. As empresas prestadoras de serviços, ainda instaladas no centro, não perceberam ainda que vão ter que se deslocalizar para a periferia para fugirem do caos, contribuindo ainda mais para a sua rápida desertificação.
Os contribuintes açorianos não perceberam ainda que as Portas do Mar tem uma componente festivaleira muito grande, com um pavilhão de exposições e de espectáculos de 4.000 m2 e um anfiteatro, para concorrer directamente com o Teatro e com o Coliseu numa continuada política de pão e circo irresponsável.
Á medida que forem conhecendo os detalhes destas portas, ditas de progresso, os agentes económicos e os contribuintes vão perceber o logro que é as Portas do Mar.
As Portas do Mar não são progresso. São megalomania, irresponsabilidade e narcisismo político.

As Portas do Inferno (do Trânsito)

As Portas do Mar vão transformar e acima de tudo transtornar a vida de Ponta Delgada. Para além deste projecto de investimento público não ser prioritário nem economicamente viável, é de uma dimensão perfeitamente exagerada para a sua localização e tem efeitos ambientais bem nefastos, agrupa um conjunto de equipamentos que vão introduzir na marginal de Ponta Delgada uma carga excessiva e incontrolável de tráfego.
As Portas do Mar podem bem ser as portas do inferno de trânsito, de Ponta Delgada.
Convem referir que as Portas do Mar para além dos dois cais acostáveis, um para paquetes e outro para barcos inter-ilhas, vai ter apêndices desnecessários, como um pavilhão de exposições de 4.000 m2 com um anfiteatro, e como uma zona comercial de 5.300 m2. São 9.300 m2 de construção em aterro conquistado ao mar, que deveriam e poderiam estar localizados noutro qualquer local bem mais amplo.
Estamos a falar de um polo de atracção de trânsito na marginal sem as devidas e planeadas acessibilidades. As Portas do Mar são simplesmente implantadas na boca do porto comercial sem a preocupação prévia de preparar acessibilidades para o efeito. Para um empreendimento desta dimensão a única acessibilidade é a marginal de Ponta Delgada, mais concretamente para a zona nascente, porque para poente está totalmente saturada pelo trânsito.
As Portas do Mar vão contribuir para uma degradação ainda maior da zona da marginal, onde se encontra a frente hoteleira, a ser reforçada com o casino e o hotel, nos espaços da EDA. Prepara-se um verdadeiro caos de tráfego na marginal.
Ponta Delgada vai passar assim a rivalizar com as grandes cidades, em relação ao trânsito caótico e às suas filas intermináveis.
Presentemente há dias em que a fila de viaturas para entrar em Ponta Delgada pela marginal, lado nascente, começa na Rotunda de Belém. Imagine-se um fluxo ainda maior de viaturas para acesso aos paquetes, aos navios inter-ilhas, à zona comercial e ao pavilhão de exposições o que não vai ser.
E o governo tem o descaramento de dizer que a solução está prevista no projecto, com um mísero parque de estacionamento para 200 viaturas, que será construido sobre um aterro conquistado ao mar paralelo à marginal. Como se isto fosse resolver o problema. Duzentas viaturas são apenas as viaturas que terão de sair do aterro da calheta do Pero Teive quando aquela zona for requalificada. E as outras viaturas onde vão estacionar? E como vão circular naquela zona?
Diz o governo que mandou elaborar um estudo sobre o tráfego da cidade de Ponta Delgada feito em colaboração com a Câmara Municipal e a Universidade Técnica de Lisboa. Naturalmente mais um feito à medida, por gente de fora. E que não impede nem resolve o caos que vamos ter na marginal
Cntinuamos a estranhar o silêncio da autarquia sobre este potencial problema de trânsito que vai sobrar para a própria autarquia, na resolução do estacionamente e circulação de trânsito nesta cidade pequena e limitada.
As Portas do Mar é um projecto faraónico, puramente político, para satisfazer os caprichos de alguns governantes, para alimentar uma certa e determinada elite (empreiteiros, industriais de brita, betão e pedra, associação de empresários etc...) e assim enterrar 50 milhões de euros, com um retorno incerto e desprezível. E a sociedade civil nada tem a dizer? E os ambientalistas? E os urbanistas? E os arquitectos locais? O silêncio é de ouro numa sociedade insular, pequena e totalmente dependente do poder político, bem próxima das democracias de partido único.