sexta-feira, junho 16, 2006

O polvo gigante

O peso do estado na economia e na vida dos Açores é monstruoso. Mormente no que se refere ao governo regional, aos serviços da república, e às 19 autarquias destas ilhas.
O estado é responsável por cerca de 50% do Produto Interno Bruto dos Açores. O estado é responsável directamente por mais de um quinto do emprego nestas 9 ilhas.
Vivemos portanto numa região totalmente dependente do estado. E a sociedade destas ilhas vive e gere esta dependência do poder político.
Mas o que se vai notando é que o estado, este monstro, movimenta-se como um polvo gigante, com os seus tentáculos dirigidos à sociedade e à economia.
O estado é assim omnipotente e omnipresente nos Açores. E por vezes torna-se arrogante e autista.
Basta abrir um jornal ou ouvir um telejornal local para notar que a grande maioria das notícias giram à volta de acções do governo ou das autarquias. Raramente foge disto.
Em declarações recentes, proferidas a um órgão de comunicação social, o Dr. Álvaro Monjardino, ex-presidente da Assembleia Legislativa Regional e um proeminente advogado e pensador, reflecte claramente este assunto. Disse o Dr. Álvaro Monjardino que “a autonomia activa deveria ir muito para além do poder político. Mas é cada vez mais visível que a autonomia dos açorianos é directamente proporcional à sua dependência do poder regional instituído. A sociedade civil açoriana não se basta a si mesma”. Para concluir que “a autonomia dos Açores, mais do que ser política, tem de ser dos cidadãos, da família e da sociedade”. Mas infelizmente não é, e está muito longe de o ser.
Um exemplo recente da ânsia do poder político pelo controlo da sociedade civil é o apoio financeiro de 500.000 do governo regional ao internacional Pauleta, para a sua escola de formação de futebol. Naturalmente que o Pauleta não precisa deste subsídio. Muito mais precisava o Desportivo de S. Roque, o União do Nordeste ou o Minhocas das Flores para a formação dos seus jovens, muitos provenientes de classes sociais carenciadas. O governo pagou este valor para colar-se à imagem do maior goleador de todos os tempos da selecção nacional. Por seu lado a Câmara de Ponta Delgada não quis ficar atrás e vai também pagar 100.000 ao Pauleta. A única diferença é obviamente no valor e o facto do governo pagar em numerário e a autarquia em espécie (arruamento do parque desportivo).
O jornalista Nuno Mendes, um dos mais dinâmicos profissionais, desde o início de Junho passou a ser assessor do secretário da presidência, Vasco Cordeiro. O polvo gigante calou assim mais uma voz para juntar às outras que deambulam pelos corredores do poder regional e local, a identificar e a enviar notícias favoráveis para a comunicação social.
As associações de produtores e as empresariais nas várias ilhas estão totalmente dependentes do governo e há muito que perderam o pio.
O governo ainda controla directamente os transportes aéreos, os marítimos de passageiros, a produção e distribuição de energia, a saúde, a educação. E indirectamente o governo e as autarquias controlam, pela via financeira, as associações cívicas, culturais e desportivas, as IPSS, e promovem a vergonhosa e irresponsável política festivaleira que se desenvolve nestas ilhas, numa afronta a todos os pobres e necessitados.
Por seu lado os partidos da oposição estão no limbo. O PP arrasta-se com o seu líder fragilizado, com problemas de saúde, mas ainda fortemente agarrado ao lugar. O PSD jaz apático perante um líder frouxo e desaparecido há muito.
Assim, face à ausência de oposição e de debate público, o polvo gigante espraia-se por tudo o que é canto nestas ilhas. Quem não terá sentido os movimentos, por vezes subtis e por vezes bruscos, deste polvo gigante? Há de facto que resistir, resistir.

O apóstolo da rua

No passado dia 17 foi prestada uma significativa e justa homenagem ao Pe. Dr. Weber Machado Pereira, por iniciativa da Caritas, e na sua despedida como presidente desta instituição em S. Miguel. A igreja de S. José estava repleta de pessoas que quiseram assim manifestar, com a sua presença, a admiração pelo trabalho realizado pelo Pe.Weber em prol dos excluídos.
O Pe. Weber denunciou, sempre com muito arrojo e determinação, injustiças sociais, situações de miséria, na defesa acérrima dos mais necessitados. E actuou muito na rua, junto dos mais carenciados. Por isso foi um verdadeiro Apóstolo da Rua.
O Pe. Weber foi incómodo para o poder político. Porque muito lesto sempre a denunciar o que estava mal. Foi sempre a voz daqueles sem voz. Mesmo em plena ditadura, antes do 25 de Abril, nunca se coibiu de actuar junto dos pobres. Por isso chegou a ter o segundo maior processo junto da DGS (PIDE), nos Açores.
Arguto, inteligente e acima de tudo muito coerente ao longo da sua vida. Podemos dizer que foram quase 70 anos de coerência, o que é notável.
Nestes Açores onde a sociedade civil permanece apática, amarfanhada pelo gigantismo do Estado, o Pe. Weber foi sempre aquela voz que surge do nevoeiro a dizer que é preciso olhar para os mais pobres, para os sem-abrigo, para os alcoólicos, para os toxicodependentes. Enfim para todos aqueles excluídos da sociedade consumista e egoísta em que vivemos. Por isso foi incómodo porque provocou inquietação nas pessoas de boa vontade. E esta inquietação foi preciosa para a acção sócio-caritativa, necessária nesta ilha. É que afinal nem tudo são rosas, há ainda muitos espinhos cravados no corpo de muitos açorianos.
Sempre teve o Pe. Weber um olhar compassivo por aqueles sem sorte. E foi e é um verdadeiro Cristão, seguidor da Palavra de Cristo. Testemunha fiel do seu evangelho.
E tem demonstrado até à exaustão que é possível ter uma sociedade mais fraterna e mais justa, desde que haja partilha do Pão, da Palavra e de Amor.
Nunca se deixou apanhar pelo poder político qualquer que fosse a sua cor.
O Pe. Weber foi sempre isento, frontal e convicto. É um exemplo vivo de acção apostólica.
Mas a melhor qualificação que se pode atribuir ao Pe. Weber é de ter sido e de ser um verdadeiro Cristão. Um fiel seguidor da doutrina de Jesus Cristo na prática, na vida, no mundo, quantas vezes nefasto, injusto e medonho para muitos homens.
A comunidade micaelense precisa de vultos como o Pe. Weber. Para a agitar, para penetrar nos seus corações empedernidos e torná-los mais humanos, mais fraternos. Para alertar a sociedade dos caminhos errados que percorre em busca exclusivamente do dinheiro, do poder, do êxito e do prazer ilimitado e sem restrições. Uma sociedade hedonista, consumista, permisssiva e relativista que importa alterar.
A nossa sociedade carece de pontos de referência, vive num grande vazio moral e não é feliz, ainda que tenha materialmente quase tudo. E o Pe. Weber é um ponto de referência a seguir. Tenhamos coragem para esta caminhada.