sexta-feira, março 24, 2006

Timidez empresarial ou protagonismo político?

O governo e as autarquias dos Açores ao enveredarem por uma excessiva intervenção na economia, directamente ou através de sociedades anónimas e empresas municipais, assumem o pressuposto de que existe timidez empresarial, mormente uma ausência de cultura de risco, que justifica esta acção mercantil. Nada mais errado.
A Ilhas de Valor, para investimentos no turismo, serviços e comércio, ao que parece em todas as ilhas. O Centro de Distribuição no Continente para a comercialização de produtos regionais. A Natureza Viva para intervenções no sector do ambiente destas ilhas. A Atlânticoline para o transporte marítimo de passageiros e viaturas inter-ilhas. A SPRIH para a reconstrução e também para a promoção de projectos imobiliários. A Saudaçor para assumir as dívidas do serviço regional de saúde. O Teatro Micaelense para dar música e nada de congressos. As quase duas dezenas de empresas municipais para intervenções na habitação, no ambiente, na animação, no ordenamento, na dinamização de acções sociais diversas e até na restauração e na oferta de actividades lúdicas. Tudo isto são intromissões injustificadas na economia insular. E ao que parece não fica por aqui. O governo equaciona agora a possibilidade absurda de investir no aumento da pista do aeroporto da Horta, em substituição da ANA, que considera o investimento inviável. O governo ainda equaciona uma participação financeira na empresa do grupo ANA que ficará com a gestão dos aeroportos dos Açores, aquando da sua privatização. E porque a ANA considera que não se justifica a abertura do aeroporto de Santa Maria até à meia noite, o governo regional rapidamente apressa-se a dizer à ANA que paga este custo.
Temos pois um governo regional mercantil, e especializado na desorçamentação da despesa pública. Também temos autarquias locais com apetite empresarial e especializadas em contornar a lei do endividamento do poder local. Tudo isto às claras e impunemente.
Para além de todas estas incursões no sector privado, do governo e das autarquias, vivemos numa região autónoma, com num regime democrático especial, de um partido quási-único. Onde o governo não passa cartão ao Parlamento, onde o Parlamento não fiscaliza o governo, e onde uma instituição denominada de Tribunal de Contas detecta amiúde graves irregularidade para nunca ter consequência, para além de uma conferência de imprensa ou um comunicado, que é rapidamente desvalorizado e imediatamente esquecido.
Ao que parece não há timidez empresarial, mormente nas ilhas maiores, há sim ânsia de poder, de protagonismo político, de promoção pessoal, de clientelismo, e mesmo corrupção. E para isso nada como mais empresas, mais negócios, mais empreitadas, que significam mais senhas de presença e eventualmente muitas comissões.
Os Açorianos, mormente os micaelenses, demonstraram já que têm grande espírito empresarial e cultura de risco. Não fossem os actuais empresários descendentes daqueles ilustres homens de negócios que nos séculos XIX e XX criaram um banco, uma seguradora, uma transportadora aérea, uma transportadora marítima, uma eléctrica, um conjunto de unidades industriais de produção de açúcar, álcool, tabacos, chicória, chá, cervejas e refrigerantes e de lacticínios. E isto em épocas bem mais difíceis do que a actual. O espirito empreendedor existe, a cultura de risco está patente. Ainda recentemente os empresários micaelenses responderam de forma altamente positiva, envolvendo-se em avultados investimentos no turismo e no imobiliário.
Agora o que temos é uma classe política, autista, interesseira, que mingua em formação o que excede em ambição, a qualquer preço, e que quer apenas uma coisa: poder. Poder político e agora também poder económico.
E a continuar assim a Região Autónoma dos Açores poderá receber em breve o epíteto de “Cuba do Atlântico.”