quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A asfixia da sociedade civil

Há sinais claros de asfixia da sociedade civil nos Açores, por parte do governo regional e das autarquias. Sociedade civil que já estava acomodada, incrédula e passiva, mas que agora parece evidenciar uma galopante demência colectiva.
A dimensão do Estado, governo da república, governo regional e autarquias, é monstruosa. E tem um peso excessivo na economia destas ilhas. Podemos afirmar que cerca de 50% do PIB dos Açores é proveniente da actividade do Estado, que presta os serviços básicos, como a educação, a justiça, a saúde, a segurança, o abastecimento de água, a recolha do lixo, o ordenamento urbanístico, mas que, nos Açores, vai muito para além disto, interferindo directamente com a iniciativa privada, com os empresários e com os cidadãos. Numa atitude autista, redutora e asfixiante.
Recentemente o governo criou a Ilhas de Valor SA, um instrumento financeiro inicialmente apenas para as ilhas de coesão, mas já desvirtuado e a ser aplicado a todas as ilhas. E a primeira a beneficiar é a Terceira com um projecto de um Parque Temático, num terreno de 20.000m2 a ser adquirido por aquela empresa. A Ilhas de Valor pode identificar, desenvolver e promover projectos de investimento nos sectores do turismo, do comércio e dos serviços. Representa um verdadeiro atestado de menoridade aos empresários privados, não só das ilhas de coesão como afinal de todas as ilhas.
Ao mesmo tempo o governo cria um Centro de Distribuição no Continente para a venda de produtos regionais, estando disposto a gastar cerca de 144 mil euros por ano. Uma iniciativa que revela uma intromissão descarada na actividade privada, criando ainda mais distorções no mercado.
Também recentemente anunciou com pompa a criação da Natureza Viva S A, mais uma empresa pública, desta vez para intervir no ambiente, e quiçá ser um instrumento adicional de desorçamentação da despesa pública.
Entretanto havia já criado a Atlânticoline S A, que já mandou construir 4 barcos para o transporte marítimo de passageiros inter-ilhas, numa investimento de 55 milhões. E agora, com o insucesso do concurso público, pode ser a empresa a prestar o serviços de transporte de passageiros e viaturas inter-ilhas. Uma intromissão grosseira no sector privado.
Criou ainda a SPRIH S A, não só para a reconstrução das ilhas afectados pelo sismo de 1998, como também para a promoção de projectos imobiliários, em colisão directa com os empresários de construção civil e obras públicas.
Antes havia criado a Saudaçor para assumir dívidas do sistema regional de saúde, numa descarada desorçamentação da despesa pública.
O Teatro Micaelense, empresa maioritariamente pública, na ausência de congressos, passou a mera casa de espectáculos e agora resolve alugar espaços para formação e o Salão Nobre para eventos gastronómicos, colidindo directamente com a iniciativa privada de S. Miguel.
Por seu lado o Coliseu, empresa de capitais maioritariamente públicos, passou também da oferta de actividades culturais para a organização de mega-jantares, numa concorrência com os empresários de restauração.
Assistimos também atónitos à criação de empresas municipais em catadupa, por todas as autarquias dos Açores. Muito em breve vamos atingir as duas dezenas de empresas municipais. E assim as autarquias apresentam também vocação e apetite empresarial com intervenções abusivas no mercado habitacional, de animação cultural, no ambiente, no ordenamento, na dinamização social e até na prestação de serviços lúdicos.
São ainda as parcerias público-privadas a surgirem no mercado numa forma descarada de fuga à lei que impõe limites ao endividamento autárquico e regional.
Assim, de facto, não há espaço para a sociedade civil espraiar-se e ter um papel mais importante nestas ilhas. Tudo é Estado. Tudo é governo regional. Tudo é câmara municipal. É uma ofensiva assaz perigosa do Estado nestas ilhas. E a continuar assim os Açores caminham rapidamente para uma região de economia intervencionada, estatizada, à boa maneira dos países da antiga cortina de ferro.
É caso para dizer: basta, libertem a sociedade civil!

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Autonomia financeira: verdade ou camuflagem?

Há um ano o vice-presidente do governo vangloriava-se de ter conseguido um superavit nas contas da Região de 2004. E ainda dizia que os Açores eram já auto-suficientes e poderiam eventualmente viver sem apoios do exterior.
Agora mais recentemente o presidente do governo afirmou que os Açores atingiram a autonomia financeira.
Face a estas declarações importa traduzir e explicitar, para o cidadão menos atento, a linguagem dos políticos, normalmente pouco clara e eivada de meias - verdades (ou meias - mentiras!)
Afinal o tal superavit de 22 milhões resultou apenas de um acerto extraordinário dos impostos do governo da república e que não foi previsto no orçamento. Portanto nada de relevante. Tratou-se apenas de um aproveitamento político do jovem governante.
Aquilo que o presidente do governo considera de autonomia financeira é o facto das receitas próprias da Região terem coberto e, segundo o mesmo, até ultrapassado em 56 milhões, as despesas de funcionamento da administração regional. Portanto em 2005 as receitas dos impostos deram para pagar os ordenados dos funcionários públicos e todas as demais despesas da máquina regional. Mas torna-se essencial explicar como o governo engendrou esta situação.
As contas que o Governo apresenta agora não são comparáveis com as contas apresentadas no passado essencialmente porque há despesas/investimentos que no passado eram incluídos no orçamento e que foram desorçamentadas, mantendo contudo o governo a responsabilidade eventual por via de aval.
A desorçamentação acontece particularmente na saúde (Saudaçor) e em obras públicas (SPRIH e Gestão dos Portos). E vai continuar com as novas sociedade para o ambiente, para o transporte marítimo de passageiros e para as ilhas da coesão.
Para comparar as contas teriam de ser feitas várias correcções que adicionassem à receita e à despesa as receita e despesas próprias destas sociedades. Isto equivale a dizer que as contas do governo seriam agravadas no montante equivalente ao défice destas sociedades cujo accionista único é o governo. Uma estimativa deste défice é os avales do governo, que totalizam já 400 milhões. Devem ser excluídos os avales a empresas que de facto geram receita própria suficiente, como é o caso da EDA e da SOGEO, por exemplo. Mas, mesmo aí, é preciso perguntar até que ponto o governo está a fazer políticas sectoriais através destas empresas.
A SATA, por exemplo, não tem tido resultados negativos mas os resultados positivos não dão para a substituição da sua frota e, por mais do que uma vez, têm sido feitas injecções de capital para suprir deficiências que resultam da imposição de políticas públicas através da empresa.
Feita a correcção as contas do governo são outras e não demonstram equilíbrio financeiro.
De resto, convém sublinhar, novamente, que o equilíbrio formal do orçamento da Região é uma obrigação legal e não uma opção do Governo que, no caso está apenas a cumprir a lei.
Portanto estamos numa situação de camuflagem financeira, e muito longe de uma eventual autonomia financeira como apregoado.
Mesmo a ser verdade que as receitas próprias já cobrem as despesas de funcionamento (que não é!) alguém de bom senso acredita na sobrevivência desta Região num quadro financeiro sem o apoio do exterior? Só mesmo por demagogia ou ficção.
E os milhões e milhões que têm de ser investidos em equipamentos escolares, de saúde e na habitação, em subsídios para a dinamização empresarial, em equipamentos de apoio a idosos e infância, em equipas desportivas que participam em provas nacionais, em subsídios a filarmónicas, ranchos folclóricos, eventos culturais, musicais desportivos, em promoção turística?
Todos estes recursos financeiros, no total de 326 milhões para 2006, que afinal alimentam estas pequenas economias, vêm do exterior, da solidariedade nacional e União Europeia. Podemos assumir, com as correcções aludidas antes, que mais de 50% do orçamento da Região é financiamento alheio. Então que autonomia financeira é que conseguiram nos Açores? Continuamos a viver da solidariedade exterior. E assim terá de continuar por décadas, tendo em conta o baixo nível de crescimento económico que os Açores estão a ter.