terça-feira, outubro 18, 2005

O custo de oportunidade das Portas do Mar

A nossa democracia tem coisas assaz bizarras. O governo engendrou, encomendou e decidiu sobre o projecto Portas do Mar sem ouvir os cidadãos. Agora, depois de tudo decidido, e aberto o concurso público para a empreitada, avança com uma grande campanha mediática: páginas inteiras de publicidade nos jornais dias a fio, maquetas nos centros comerciais, imagens na internet, vídeos promocionais e publicidade em placards exteriores em algumas vias de S.Miguel. Agora e só agora é que quer convencer os cidadãos de que é um projecto importante para os Açores. De facto a grande maioria dos cidadãos não conhece o que lhes querem construir na boca do porto comercial e em frente à igreja de S. Pedro. E porque desconhecem nada dizem. Porque se e quando conhecerem vão perceber então do dimensão da betonização que vai ser feita na marginal de Ponta Delgada. Uma autêntica península de betão vai nascer, essencialmente devido a um pavilhão de exposições e anfiteatro de 4.000 m2 e de 5.300 m2 de zonas comerciais, resultantes de aterros a conquistar ao mar. Um verdadeiro absurdo!
Mas como já conhecemos o suficiente deste projecto faraónico continuamos a repudiá-lo frontalmente. Temos este direito, como cidadão desta terra que muito gostamos.
De facto, uma primeira análise ao empreendimento Portas do Mar deve ser feita em relação ao seu custo de oportunidade. Ou seja por se aplicar 50 milhões neste projecto de investimento deixa-se de aplicar o mesmo montante em outros projectos de investimento público. Interessa saber que alternativas de investimento foram analisadas no valor de quase 50 milhões de euros e como se chegou à conclusão que este projecto é prioritário em relação aos seus concorrentes. Num lote de eventuais projectos de investimento público dificilmente este poderia ser seleccionado. Por que o cenário dos Açores é ainda de sub-desenvolvimento social e este projecto está longe de ser prioritário. Se não vejamos.
Os indicadores socio-económicos revelam os Açores como uma região ainda muito pobre, das mais pobres da Europa, onde ainda grassa muita miséria e profunda desigualdade social. Uma região onde há problemas graves de alcoolismo e de toxicodependência. São mais de 30.000 açorianos dependentes do álcool. Cada 3 em 4 jovens em idade escolar já teve experiências de consumo. O pior indicador do país.
Há 5.000 açorianos dependentes de drogas ilícitas. Nestas ilhas, 1 em cada 5 jovens de idade entre 14 e 16 anos, tiveram já experiências de consumo de drogas. Os Açores estão no topo nacional dos adolescentes toxicómanos.
A percentagem de adolescentes que engravidam nos Açores é o dobro da nacional. Tem os Açores mais de 2.000 crianças em risco . Por seu lado, nas mais de 30 instituições dos Açores, há quase 600 crianças e jovens acolhidas, muitas para sempre.
Uma Região já com problemas de segurança especialmente nas suas zonas urbanas.
Uma Região com um sistema de ensino de fraca qualidade que, se medido pela taxa de insucesso escolar, é dos piores do país. Uma Região que foi classificada recentemente como das piores da União Europeia em termos de população com um nível de estudos superiores.
Os Açores continuam a ter o PIB per capita de ainda e apenas 83% da média nacional e de apenas 56% da União Europeia (a 15 países). Uma Região pobre e ainda a divergir em relação à Europa. Uma Região onde a produtividade é ainda e apenas 81% da média nacional.
Uma Região com estes indicadores sócio-económicos não se pode dar ao luxo de avançar para uma empreendimento faraónico, de regime, não prioritário e sem retorno económico claro e perceptível.
Portanto o custo de oportunidade deste projecto é muito elevado. E é injustificável no estádio de desenvolvimento em que a Região se encontra. Tudo indica que este projecto tenho sido decidido levianamente, por razões políticas, para marcar uma época de governação. Péssimas razões para a sua justificação.

sexta-feira, outubro 07, 2005

O betão e a criação de riqueza

Agora que está a terminar a campanha eleitoral autárquica, onde houve muito folguedo e propaganda e pouco conteúdo, convém serenamente analisar a situação económica da Região Autónoma dos Açores à luz dos últimos dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
Ao contrário do que o governo fez transparecer para a comunicação social os principais indicadores económicos são desfavoráveis aos Açores. Apesar do avultado investimento público realizado nestas ilhas o Produto Interno Bruto (PIB) não cresce adequadamente e não há criação de riqueza.
O PIB dos Açores passou de 2.422 m€ em 2002 para 2.469 m€ em 2003. Uma taxa de crescimento real negativa de -0,8%.
Por seu lado a Madeira, a outra região autónoma, teve um crescimento real positivo de 1,7%, passando o PIB de 3.476 para 3.651 m€.
O PIB per capita dos Açores foi de 10.337€ em 2003. A média nacional foi de 12.500€. Este importante indicador representa nos Açores ainda e apenas 83% da média nacional. O facto é que, apesar do elevado investimento público, permanece um fosso muito grande, medido por este indicador, entre a RAA e a média nacional. Por seu lado o PIB per capita da Madeira foi de 15.113€.
Assim o PIB per capita dos Açores representa apenas 56% da União Europeia (a 15 países) agravando-se mesmo em relação ao verificado em 2002. Portanto estamos a divergir em relação à Europa.
A produtividade nos Açores atingiu 21.211€ em 2003. A média nacional foi de 26.050€. Portanto a produtividade dos Açores é ainda e apenas 81% da média nacional e agravou-se de 2002 (82%) para 2003. Estamos neste indicador muito mal. Produzimos muito pouco nos Açores. A Madeira teve uma produtividade de 30.337€ o que representa um diferencial de 43% em relação aos Açores.
Continuamos a não criar riqueza nestas ilhas. E isto apesar do investimento público, regional e autárquico, muito avultado.
A conclusão é óbvia: grande parte do investimento realizado não é reprodutivo. Não induz mais actividade económica. Aliás durante esta campanha eleitoral assistimos a promessas perfeitamente absurdas e irresponsáveis de uma megalomania arrepiante. Apenas se enche a bota com mais betão sem olhar à dinamização empresarial e à criação de riqueza.
Mais betão não necessariamente traz riqueza. Quando os projectos de investimento não são reprodutivos não provocam dinamização empresarial. E sem dinamização empresarial não há criação de riqueza.
Os políticos caem rapidamente no facilitismo dos projectos megalómanos, desnecessários e não prioritários, por razões exclusivamente políticas e amiúde para alimentar certas e determinadas elites.
O governo e as autarquias têm de proceder à avaliação à priori da rentabilidade de cada projecto de investimento. Devem elaborar o cálculo do seu custo de oportunidade, ou seja, justificação detalhada da prioridade concedida a cada projecto em detrimento de outros. Só assim serão seleccionados os projectos reprodutivos e de rendibilidade assegurada, e só assim se faz uma gestão transparente e rigorosa do erário público. Infelizmente não é isto que se passa. E os grandes projectos de investimento processam-se agora por ondas de moda. Ora são os pavilhões multiusos, ora são as marinas, ora são os cais acostáveis. São projectos de duvidosa rendibilidade e com custos de oportunidade muito elevados.
Neste estádio de desenvolvimento dos Açores precisamos muito mais de investimentos nas pessoas e na organização do que investimentos sumptuosos em betão. Porque estes só por si não criam riqueza. São as pessoas que vão criar riqueza, que vão dinamizar e inovar a actividade económica, na produção de bens e serviços transacionáveis. E este investimento, nas pessoas, tem retorno garantido.