sexta-feira, março 24, 2006

Desenvolvimento harmónico ou desequilibrado?

As declarações recentes do pensador terceirense Cunha de Oliveira tiveram o mérito de levantar a questão do denominado desenvolvimento harmónico do arquipélago, um chavão político dos primeiros governos da autonomia pós-25 de Abril.
O desenvolvimento harmónico constou, de facto e apenas, da construção de acessibilidades, equipamentos de saúde e de educação, em todas as ilhas. Equipamentos fundamentais para o seu desenvolvimento económico-social. A partir desta fase de construção das grandes infra-estruturas expectou-se a dinamização empresarial e a criação de riqueza em cada uma delas. Aqui é que os resultados foram bem diferentes, como não podiam deixar de ser. Os grandes investimentos públicos nas ilhas mais pequenas, não dinamizaram a sua economia nem criaram valor acrescentado. E estas ilhas foram crescendo a ritmos mais lentos, como aconteceu com as Flores, Corvo, Graciosa, S. Jorge e Santa Maria. Por outro lado há as ilhas de média dimensão como o Faial e o Pico, que não tiveram uma classe empresarial empreendedora que tirasse partido dos avultados investimentos públicos realizados. No caso do Faial nem a instalação de alguns departamentos governamentais, nem mesmo do Parlamento Regional tiveram efeitos significativos e benéficos na economia da ilha.
Por fim temos S. Miguel e a Terceira, as ilhas com mais população, mais de três quartos (77,5%), e com mais de 80% da actividade económica dos Açores.
Grandes investimentos públicos foram realizados primeiramente na Terceira e apenas mais tarde em S. Miguel. Enquanto que estes têm proporcionado um desenvolvimento económico apreciável em S. Miguel, na Terceira não teve o efeito esperado. Quais são então as razões para este resultado diferente nestas duas ilhas? Nada tem a haver com a presidência do governo ser em S. Miguel. Nada tem a ver com os departamentos governamentais instalados na ilha do arcanjo. Até porque a Terceira também os tem. São argumentos falaciosos.
O crescimento económico dos Açores e o seu progresso social vai sempre assentar na ilha de S. Miguel, por 3 ordens de razões.A primeira é o território. S. Miguel é quase 2 vezes maior do que a Terceira. É 4 vezes maior que o Faial, 7,5 vezes maior que S. Maria e 12 vezes maior que a Graciosa. Os concelhos de Ponta Delgada e Ribeira Grande juntos têm mais área que a ilha Terceira. Um território comparativamente maior tem mais recursos naturais, tem mais potencial endógeno.A segunda é a população. S. Miguel tem 54% da população dos Açores. Tem 2,4 vezes a população da Terceira, tem 27 vezes a população da Graciosa e de Santa Maria e 33 vezes a população das Flores. Apenas o concelho de Ponta Delgada tem mais população que a Ilha Terceira. Sem pessoas não há crescimento económico, não há desenvolvimento. Os recursos humanos são fundamentais para o progresso de qualquer ilha ou região.Por fim uma terceira razão que tem a ver com a classe empresarial. S. Miguel sempre teve uma classe empresarial dinâmica, arrojada e trabalhadora. E os empresários micaelenses actuais são descendentes daqueles que nos séculos XIX e XX fundaram um banco, uma seguradora, uma transportadora aérea, uma transportadora marítima, uma eléctrica e inúmeras indústrias, como a do açúcar, chá, chicória, tabaco, cervejas e refrigerantes e de lacticínios. Há, e sempre houve, em S. Miguel grande sentido empreendedor. Vejamos o enorme surto de investimentos privados no sector do turismo e em projectos imobiliários, nos últimos anos.Portanto indubitavelmente S. Miguel é e será sempre o motor do desenvolvimento económico dos Açores. S. Miguel tem massa crítica que nenhuma outra ilha tem. E há que promover este potencial económico existente na maior ilha, de modo a criar riqueza para ser redistribuída pelas outras. Errado é coarctar o desenvolvimento de S. Miguel à espera de outras ilhas que não têm nem recursos naturais, nem humanos, nem classe empresarial com cultura de risco para o efeito. Desenvolvimento harmónico nunca será conseguido nos Açores. O que vai acontecer, e pode ser considerado natural, é um desenvolvimento desequilibrado, ou seja, ilhas a crescerem a várias velocidades. Este desenvolvimento desequilibrado pode ser harmonizado por uma adequada política de redistribuição de riqueza. Por isso se a criação de riqueza nos Açores implica apostar mais em S. Miguel haja coragem para tal. As outras ilhas vão certamente beneficiar. Nem que para o efeito sejam todas elas consideradas ilhas de coesão.