terça-feira, agosto 30, 2005

Portas do Mar (do Caos): O erro do século XXI

O tempo vai-se encarregar de qualificar se portas do mar ou portas do caos.
Podemos considerar que é o erro do século XXI “oferecido” à cidade de Ponta Delgada. O erro do século XX foi a construção da marginal, no Estado Novo, com o consequente corte com o mar e com a destruição do cais das Portas da Cidade.
O projecto de investimento da responsabilidade do governo regional consta de um cais de 370 metros para paquetes e ferries, de uma nova marina com 450 lugares, de um parque de estacionamento subterrâneo para 200 viaturas, de um pavilhão de exposições e de espectáculos de 4.000 m2, de uma zona pedonal e de melhoramentos da orla costeira. Um investimento que, com os desvios e os normais trabalhos a mais, deve atingir 50 milhões de euros. O Governo Regional já deu instruções à Administração dos Portos das Ilhas de S. Miguel e Santa Maria, SA, para o lançamento da empreitada, que tem um prazo de obra de 24 meses.
Ao que parece, e mais uma vez, os “betoneiros” levam a melhor nos Açores. São 282 mil metros cúbicos de aterros e enrocamentos, 90 mil metros cúbicos de betão, 10 mil toneladas de aço e feitos 18 mil metros cúbicos de dragagens. Não vai criar riqueza, mas sim alimentar esta pobre economia insular por mais algum tempo. Os empreiteiros regionais esfregam as mãos de contente por poderem ficar com umas míseras sobras desta verdadeira obra de regime. Os cidadãos e a sociedade civil permanecem apáticos e indiferentes, por conveniência, claro!
Mas a longo prazo, indubitavelmente, já sabemos quem vai perder: a Região e as suas populações.
Razões políticas, de protagonismo pessoal de governantes, pressões de empreiteiros (com muita falta de obras!) e de associações de empresários, poderão ser as únicas justificações para a concretização deste projecto. E de forma especial em relação ao seu corpo principal e mais dispendioso deste empreendimento: o pavilhão de exposições e de espectáculos. Mais um contributo à promoção da sociedade do divertimento, niilista, leviana e individualista. Mais um golpe (de betão !) nos carenciados desta terra .
Esta obra é, em primeiro lugar, sumptuosa e não é estruturante nem é prioritária, no estádio de desenvolvimento em que se encontra a Região. O valor incrementável deste projecto é irrelevante.
Conquistar espaço ao mar, uma tarefa sempre muito dispendiosa, para edificar um pavilhão de exposições e de espectáculos de 4.000 m2 e um auditório para concertos, é faraónico e injustificável sob o ponto de vista económico e de desenvolvimento. Quando temos em Ponta Delgada duas casas de espectáculos, com os mais variados programas.
A dimensão desta obra é chocante e representa uma verdadeira “jamanta” de betão a atrofiar a entrada do porto comercial.
Permitir a atracagem de paquetes de elevada volumetria, em frente à Igreja de S. Pedro, é bloquear a vista excepcional da serra e do mar que se desfruta ao longo de toda a marginal. Lá se vai mais um pedaço dos Açores, para beneficiar os “betoneiros”.
Promover o engrossamento do fluxo de trânsito para a marginal de Ponta Delgada é de irresponsáveis. E um parque de estacionamento para 200 viaturas nada resolve. Basta ver a quantidade de viaturas, na chegada do Golfinho Azul de S. Maria. Junte-se então viaturas de apoio aos paquetes, autocarros para excursões ou taxis. Espera-se um verdadeiro caos na marginal.
Ponta Delgada vai ficar bloqueda na sua marginal. Zona onde se concentram um conjunto importante de unidades hoteleira: Marina Hotel, Açores Atlântico, S. Pedro, Gaivota, Avenida e em breve o Casino Príncipe do Mónaco. Não parece que os turistas vão apreciar a concentração de trânsito que se vai permitir na marginal. Significa isto uma visão limitada, uma visão “betoneira”. Um erro histórico!
Este projecto coloca questões urbanísticas e de trânsito muito pertinentes e não se compreende o silêncio da Câmara de Ponta Delgada. Que vai ter que resolver mais este problema de trânsito. A juntar ao enorme problema que é circular e estacionar em Ponta Delgada. Um verdadeiro cabo das tormentas, e a agravar-se de dia para dia.
Como cidadão desta terra insurgimo-nos publicamente contra este grave erro.
Por isso sugerimos que, aquando da inauguração deste empreendimento, deixem em lugar bem visível, uma placa alusiva ao facto, para que as gerações vindouras possam identificar de imediato os seus responsáveis directos.
Recusamos embarcar neste paquete. E ninguém poderá dizer que calamos. Continuamos na defesa dos Açores como “natureza viva”, e na defesa dos marginais e dos carenciados, dos açorianos sem voz, e por conseguinte sem possibilidades de influenciar as decisões políticas.

quarta-feira, agosto 24, 2005

A Eutrofização da Sociedade e a Irresponsabilidade dos Políticos

Infelizmente não são apenas as lagoas de S. Miguel que estão num elevado estádio de eutrofização. A sociedade civil açoriana também está eutrofizada. E por isso permanece apática, imóvel e descaracterizada. Por excesso de nutrientes, sob a forma de subsídios e outras benesses avulso, e agora também de festas e festivais, churrascos e bodos de leite. Nunca os Açores estiveram num tal estádio de alienação colectiva. Um devaneio preocupante!
Instalou-se nestas ilhas uma sociedade do divertimento, niilista e individualista, que consome doses maciças de divertimento importado a peso de oiro, e de má qualidade. A onda festivaleira que percorre as ilhas neste verão é bem elucidativa deste consumo, e da irresponsabilidade dos nossos governantes e autarcas.
Estima-se que se gaste qualquer coisa como 20 milhões de euros, por iniciativas do governo e das autarquias, para festas e festivais. É absolutamente inconcebível e de todo inaceitável.
De facto a sociedade civil não se faz sentir nestas ilhas. Os partidos da oposição estão apáticos. As organizações cívicas ou não existem ou os seus membros já foram recrutados pela administração regional ou autarca. As associações de produtores e de empresários estão manietadas. O governo regional criou uma tremenda e fortíssima teia, usando um instrumento poderoso, o Orçamento Regional. Por outro lado as 19 autarquias, com os seus orçamentos específicos, criaram os seus “reinos” próprios, onde pululam inúmeros caciques locais, com míngua de formação e insaciável ambição e protagonismo.
Em 2004 a despesa da Região atingiu 732 milhões de euros. Um valor de 3.025 € por cada açoriano, criança, adulto ou idoso. O montante para despesas correntes foi de 504 milhões enquanto que para investimento foi de 229 milhões. Estamos a falar de valores muito elevados para uma pequena economia insular.
Se compararmos a despesa com o PIB da Região, que deve rondar os 2.700 milhões, temos que esta contribui para 27% do produto. Se à despesa do governo regional adicionarmos as 19 autarquias chegamos à conclusão que mais de um terço do PIB da região provém do Estado, que nestas ilhas é comparativamente mais monstruoso do que no Continente Português.
Nos Açores há quase 22.000 funcionários públicos, sendo 18.000 da administração regional e quase 4.000 da administração local. Para uma população activa de 104.000 pessoas, significa que um em cada 5 açorianos é funcionário público, dependentes assim do Estado.
Há uma omnipresença e omnipotência perigosa do estado na Região. E por isso a sociedade civil respira mal. Está amarfanhada. Há uma enorme dependência económica quer das empresas quer das pessoas singulares. E assiste-se a um silêncio profundo, por estratégia, por necessidade. Aquela obra tão necessária para manter a empresa, aquele subsídio à filarmónica, aquele subsídio para o rendimento mínimo, aquela habitação para realojamento ou aquela a custos controlados, aquele emprego para o filho, fazem do silêncio e da apatia uma vantagem. Uma abrangência tentacular do governo, que distribui e redistribui o bolo financeiro por quem entende, faz desta sociedade insular, uma sociedade eutrofizada.
E depois assiste-se à presença na comunicação social dos avençados do governo e das autarquias, pagos por todos nós, a defender a onda festivaleira como desenvolvimento cultural importante para os Açores e para o turismo de modo específico. A Jéssica Amaro , as Taity, as Delirium, o Marco Paulo, o José Malhoa, a Daniela Mercury ou a Yvete Sangalo, o que contribuem para a cultura dos açorianos? Mal vai a nossa cultura se precisar destes artistas para o seu enriquecimento.
Ou acham que a procura turista dos Açores vai aumentar devida à presença do Abba Gold, do Martinho da Vila ou dos Ramp, das Meninas ou do Bonga ? Vamos ter mais turistas pela actuação do Maninho Baia, do Manecas Costa ou do Blind Zero?
E já agora acham ainda que as equipas de futebol promovem os Açores no exterior para receberem qualquer coisa como quase 5 milhões de euros? Veja-se a triste figura do Santa Clara na época passada: ordenados em atraso, dívidas ao fisco, litígios com jogadores e sindicato, dirigentes acossados, fornecedores por receber etc...
Sejamos claros! Acabemos com utopias e alienações, e deixemos de imitações de regiões e países ricos! Os Açores são das regiões mais pobres da União Europeia, com problemas sociais graves ainda por resolver, que os políticos têm de encarar e buscar solução quanto antes. Há milhares de açorianos carenciados e a sofrer à espera destas soluções.
A continuar este estado de coisas é para dizer: “Quo vadis Açores?”.

terça-feira, agosto 23, 2005

Turismo de Natureza

É indiscutível e aceitável que a Região tem de se impor nos mercados internacionais de turismo como destino de natureza por excelência.
Não temos outros recursos naturais para oferecer sem ser o mar que nos rodeia, e a terra magnífica que nos dotou de uma panorâmica natural de invulgar beleza.
E esta combinação terra/mar potencia essencialmente o turismo ecológico e cultural. É este o caminho para o sucesso do turismo nos Açores. Não há que buscar outro.
O mar dá-nos dimensão que a terra não tem e a oportunidade para a observação de cetáceos, fundos marinhos e uma variedade de peixes, bem como proporciona uma interessante animação náutica e bons banhos no verão.
A terra para além das bonitas lagoas, infelizmente algumas em elevado estado de eutrofização, proporciona bons trilhos para observação da natureza, de forma especial fenómenos vulcânicos, e vistas deslumbrantes onde o verde dos campos se liga com o azul do mar. Em S. Miguel estão já identificados 50 geo-monumentos (estruturas geológicas raras) de enorme interesse e potencial turístico.
O mar e a terra aliados a um património cultural e etnográfico de grande valia formam o produto natural dos Açores. Este é que tem de ser promovido no exterior.
Mas paralelamente é preciso fazer um enorme esforço na sua preservação e defesa, para o podermos potenciar, mormente no exterior.
Foi isto que nos vieram confirmar (como se não soubéssemos!) um conjunto de especialistas que participaram na reunião da Rede do Atlântico Este de Reservas da Biosfera (REDBIOS).
É preciso é certificar este património natural de reserva da Biosfera, aconselharam estes especialistas. A certificação vai contribuir para a diferenciação do produto Açores no exterior, quando comparado com outros destinos turísticos concorrentes.
Não nos interessa o turismo massificado e agressor de outros lados e de outros segmentos. Há que concentrar esforços neste segmento de turismo de natureza.
Mas tem de haver muito trabalho entre a população, o governo e os agentes turísticos.
Todos têm de saber para onde vamos e o que queremos. As autarquias não podem estar dissociadas do governo e vice-versa. Há que haver uma conjugação e coordenação de esforços que tarda em aparecer. Vive-se ainda de muitas acções voluntariosas e isoladas, com efeitos muito modestos ou até nulos. Mas com custos elevados para o contribuinte.
O sector dos serviços tem de ser melhorado para potenciar este produto. Os agentes têm um papel relevante no aperfeiçoamento dos serviços existentes e na identificação de outras oportunidades de negócio para novos investimentos. Assiste-se a uma terciarização da economia dos Açores sem precedentes, o que é salutar e desejável.
Mas a natureza maravilhosa que temos implica conservação constante e mudanças de atitude de todos os agentes económicos: públicos e privados.
O produto Açores deve vingar pela diferenciação. Os Açores têm de ser um destino único, no contexto europeu e americano. Pode ser divulgado como o “último paraíso” da Europa.
Neste contexto, que deve ser o produto Açores, não se enquadram projectos públicos megalómanos como o Portas do Mar, ou até unidades hoteleiras, que nada têm a ver com as ilhas e são unidades iguais às existentes em outros pontos turísticos do globo. E os Açores têm de ser diferentes até nos hotéis.
As vias rápidas na modalidade de SCUT não se enquadram também no produto Açores. Como estas há vias por toda a Europa e América. As estradas dos Açores devem ser diferentes. E são se mantivermos as existentes a partir da Ribeira Grande na costa norte e a partir da Lagoa na costa sul. Compreende-se da necessidade de vias rápidas no triângulo Ponta Delgada, Lagoa e Ribeira Grande. A partir daí não se justifica, nem é aconselhável para preservar o produto Açores, “natureza viva”.
Fora do referido triângulo as estradas são de uma beleza invulgar, floridas e arborizadas, deixando antever maravilhosas paisagens onde a pastagem verde salpicada de animais branco e preto contrasta com o azul do mar. São as hortenses, as azáleas, as conteiras, os agapantos e as beladonas que ladeiam estas estradas. Destruir isto é inaceitável. É um erro que vamos pagar caro no futuro.