segunda-feira, junho 06, 2005

Incongruência Chocante

Assiste-se nestas maravilhosas ilhas dos Açores a uma incongruência chocante, incompatível com o seu estádio de desenvolvimento, que continua a ser o de uma das regiões mais pobres da União Europeia, com sérios problemas sociais ainda por resolver. Vejamos então.
Um cais acostável para paquetes turísticos e um conjunto de infra-estruturas de apoio, dentro da bacia da doca, em frente à igreja de S. Pedro, em Ponta Delgada, com um investimento de mais de 50 milhões de euros. Um investimento megalómano sem retorno esperado quiçá nos próximos 50 anos. Perfeitamente desproporcionado e seguramente nada prioritário. Não há razões económicas para este avultado investimento se calhar apenas razões políticas, quiçá o gosto pelo betão.
A alternativa de construção de um novo aeroporto na ilha de S. Jorge, abandonando o actual que está a sofrer obras de melhoramento, é apresentada com uma ligeireza e facilidade inadmissíveis. Um projecto mirabolante de cabeças aéreas!
Um barco de transporte de passageiros que custa ao erário público por ano mais de 5 milhões de euros, com um serviço de deficiente qualidade, e proporcionando passeios ao sabor da política e dos políticos. Como se essa fosse uma região rica!
Clubes desportivos que estão a participar em provas nacionais, mormente os de futebol, a receberem milhões de euros, a troco de uma pretensa e ilusória promoção que fazem da Região.
Vias terrestres sob a forma de SCUT, Sem Custos para o Utilizador, mas com enormes custos para o contribuinte, num valor global que deve atingir os 300 milhões de euros, para 90 km de estrada, parte já concretizada. Rasga-se a paisagem campestre e bucólica até ao Nordeste e lá se vai a beleza das estradas actuais, próprias de uma ilha naturalmente pequena, mas que assim torna-se igual a tantos outros destinos turísticos de massas. Lá se vai a diferenciação do turismo dos Açores. Um exagero no estádio de desenvolvimento por que passam os Açores!
A distribuição de subsídios avulso para isto e para aquilo, sem qualquer efeito multiplicador económico, criando-se assim cada vez mais uma sociedade subserviente, apática e de mão estendida para o poder regional e autárquico.
O aumento do numero de deputados ao Parlamento Regional em mais 5, passando assim para 57, num irresponsável abuso de poder, para favorecer ainda mais a elite política. Enquanto que a outra Região Autónoma, a Madeira, numa atitude responsável, reduz o seu número de deputados de 68 para 41.
Empresas municipais a serem criadas em catadupa, praticamente em quase todas as principais autarquias. É mais um conselho de administração, mais virtuosas senhas de presença, mais quadros, mais administrativos e acima de tudo mais endividamento. E o argumento é sempre o mesmo: maior flexibilidade na gestão, ou por outras palavras “fuga ao sistema”, mormente fuga às limitações de endividamento.
Assiste-se a mais uma forte onda de pão e circo para o povo, sem precedentes, agora com as duas casas de espectáculos em Ponta Delgada, o Coliseu e o Teatro Micaelense. Concorrem estas instituições na melhor programação, à custa do dinheiro dos contribuintes açorianos. É um ver se te avias: Ballet de Moscovo, Circo da China, Fafá de Belém, Teatro Negro Nacional de Praga, Sérgio Godinho, River Dance, Fausto, etc... Páginas e páginas de publicidade, na imprensa local, paga por todos nós. Não há semana agora sem espectáculo e alguns a preços sociais. Um fomento à sociedade do prazer, hedonista, facilitista! Isto numa região pobre, das mais pobres do país e da União Europeia.
No final do ano é que vamos perceber a dimensão dos buracos financeiros que serão criados.
Assistimos assim a um desperdiçar de dinheiros públicos, directamente para o consumo, sob a forma de lazer, que poderiam e deviam ser aplicados em acção reprodutivas ou de redistribuição, junto das população mais necessitadas.
Enquanto o “festival” se vai desenrolando, o presidente da Cáritas de S, Miguel alerta para os muitos micaelenses que passam fome. Que não têm os bens alimentares necessários para uma alimentação adequada e equilibrada. Que vivem em situações habitacionais degradantes. Cerca de 11.200 micaelenses são abrangidos pelo Rendimento de Inserção Social, quase 9% da população, mas as prestações que recebem só dão para sobreviver e comprar os alimentos básicos. A qualidade de vida destas famílias é de verdadeira pobreza e miséria.
Incongruência chocante: por um lado investimentos mirabolantes e desnecessários, despesismo irresponsável, desrespeito pelo erário público, por outro lado açorianos a passar fome, famílias no limiar da pobreza e muita miséria à mistura, nas inúmeras bolsas que existem em S. Miguel. Uma inadmissível injustiça social!
Bolsas de miséria que resultam essencialmente do alcoolismo que grassa por esta sociedade, um problema social grave, nunca enfrentado pelo poder político. Da toxicodependência que assola a nossa população, essencialmente adolescentes em idade escolar e jovens. E que nunca foi assumido pelos governantes ou pela sociedade civil.
E nestas bolsas de miséria vivem famílias desestruturadas, onde vagueiam centenas de crianças e jovens em perigo. Onde impera a violência, a promiscuidade, o abuso sexual, a violação, o incesto, a pedofilia. Isto tudo bem ao nosso lado. Basta observar com olhos de verdadeiros cristãos, afinal como devia ser feito pela grande maioria dos açorianos.
A par da elite política, dos deputados, dos governantes, dos assessores, dos adjuntos, dos chefes de gabinete, das secretárias particulares, dos consultores, dos avençados, com empregos muito bem remunerados, existem idosos necessitados, pensionistas com sérias dificuldades financeiras, doentes em listas de espera há anos, excluídos, marginais, toxicodependentes, alcoólicos e sem-abrigos, abandonados á sua sorte, porque não há dinheiro para acudir a estas situações sociais graves. Porque não há verbas para estes açorianos desafortunados. Porque não têm voz!
E ainda há outros Açorianos que estão a sofrer carências portas adentro, sem darem nas vistas, e sem constarem das listas oficiais dos organismos do governo ou do Banco Alimentar.
Receia-se que esta onda de pão e circo surja em crescendo, à maneira que nos aproximamos das próximas eleições autárquicas.
Por isso um veemente apelo, um grito de misericórdia, por aqueles que não têm voz. Senhores governantes, senhores autarcas tenham respeito pelo erário público, que tem de ser gerido com muita parcimónia, elevado rigor e sentido de prioridade. Há açorianos carenciados que têm também o direito a uma vida digna, com o mínimo de qualidade.
Acabemos com estas incongruências e trabalhemos para uma sociedade mais justa e fraterna, onde a riqueza possa estar mais bem distribuída.