O Pecado da Insensibilidade
O Pecado da Insensibilidade
O pecado da insensibilidade atravessa toda a sociedade actual, que se mantém indiferente ao que se passa não só ao seu lado como ao que se passa no mundo, e que nos entra diariamente pelos media.
Insensível ao vizinho idoso que precisa de ajuda, à criança abandonada e em perigo, que clama por justiça, ao toxicodependente que deseja uma mão amiga para o puxar da lama, aos sem-abrigo sempre á espera de uma alma caridosa, ao doente hospitalizado na mais profunda solidão, ao presidiário carente de amor e perdão, à miséria moral que grassa infelizmente por muitas localidades nestas ilhas, à viúva que vive com dificuldades fruto de uma miserável reforma, ao colega de trabalho que passa por problemas graves e que precisa de ânimo e atenção.
Isto para não falar do que se passa mais longe. O terramoto e consequente maremoto verificado no sudoeste asiático, uma enxurrada nas Filipinas onde morrem centenas de pessoas, combates diários nas ruas de Bagdade, com muita violência e mortes, atentados em Israel ou na Faixa de Gaza, a morte dolorosa de milhares de portugueses nas estradas, com imagens de corpos decapitados e chapa enrolada, a morte violenta de crianças, feita telenovela televisiva, os horrores cometidos sobre crianças e jovens da Casa Pia que clamam por justiça.
E permanecemos insensíveis, impávidos, imobilizados, de coração empedernido, a assistir a tudo isto. Cometemos o grave pecado da insensibilidade, de difícil arrependimento. A brutalidade das imagens que nos entram pela casa dentro já não nos chocam, e assistimos, de pantufas, no nosso sofá, sem um mínimo esboço de qualquer reacção ou de compaixão pelo sofrimento alheio. Vivemos numa sociedade indiferente e insensível.
É a oferta televisiva de violência, sexo, valores duvidosos, intriga social, que entra pela casa dentro sem qualquer filtro ou cerimónia.
São 3 horas e 27 minutos a média que os portugueses gastam a ver televisão. Muita porcaria absorvem durante este tempo. E depois dão um péssimo exemplo aos jovens, aos filhos, que assistem a esta insensibilidade.
Há 20 ou 30 anos quando uma catástrofe ou desgraça se abatia sobre uma região ou país, sensíveis, as pessoas sentiam e oravam por aqueles que sofriam. Nas igrejas rezava-se pelo fim das guerras que devassavam o mundo. Apelava-se á paz, e orava-se.
No mundo de hoje nem à igreja vão as pessoas, muito menos rezam pelos outros: os pobres, os injustiçados, os sofridos, os idosos, os doentes, os toxicodependentes, os marginais etc...
Não há tempo para se quer pensar no outro. É a cultura do ter, a suplantar a cultura do ser. É o individualismo puro, o consumismo descontrolado, a ausência de espiritualidade. É o “homem light” de que nos fala Enrique Rojas, que se parece com os produtos light: alimentação sem calorias e sem gorduras, cerveja sem álcool, açúcar sem glicose, tabaco sem nicotina, coca-cola sem cafeína e sem açúcar, manteiga sem gordura. Sem sabor, artificialmente tratados.
Um homem sem conteúdo, entregue ao dinheiro, ao poder, ao êxito e ao prazer ilimitado e sem restrições.
Este homem carece de pontos de referência, vive num grande vazio moral e não é feliz, ainda que tenha materialmente quase tudo.
É o homem que comete o pecado da insensibilidade.
Desejos de um solidário e fraterno ano novo.
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